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Por Davambe.
Ele ficou muito contente ao ser convidado a assumir a gerência da área florestal do Leste, que fazia divisa com a floresta do Rinoceronte. Tinha experiência suficiente para tal, além de várias certificações da sua área de atuação.
“Este é o senhor Tigre, novo gerente”, foi apresentado como salvação, o desafio estava à espera. De fato havia muita coisa a fazer.
Da janela da sua sala podia ver um lago cheio de passarinhos e patos que se refrescavam. Ele ficava encantado com o cenário à sua vista. Por vários anos viveu a resmungar de estar trabalhando demais, geralmente envolvido em embates por conflitos de interesse e com isso levava em sua cabeça a preocupação para casa. Confessava à esposa, de quem ouvia mais reclamação, “Acho que você devia voltar a estudar. Sabe, é uma forma de se desestressar”, dizia ela, intimando-o a regressar à escola. Ela tinha mais de uma graduação, ainda encontrava disposição para participar de congressos, mesmo que não fizessem parte de sua formação. Esse posicionamento desagradava mais o Tigre, que dizia interessar-se apenas pelas atividades em torno de sua profissão. “Não vou perder tempo participando do congresso de pajés ou indunas”, virava-se do lado e dormia profundamente.
Mas o Tigre era gerente na terra dos elefantes, o último elemento que foi-se juntar a um batalhão para, quase de forma milagrosa, ressuscitar a produção e industrialização de jaboticaba. Quem resistia ao suco ou sumo daquela fruta? Não havia resistentes. “Ainda bem que chegou o último elemento que faltava para início do projeto”, se comemorava com muito entusiasmo.
“Estou a fazer um trabalho comparativo sobre o Safari Definitivo de Nadine Gordimer e o romance “O Quinze” de Raquel de Queiroz. Estou achando muito interessante. Quer ler pelo menos um capítulo antes de dormir?”, sugeria a esposa animada, porque encontrava na literatura um refúgio e achava que seu marido pudesse se interessar. “Hoje não, obrigado”, ele ignorava a sugestão. “Só me faltava essa!”, comentava. Imediatamente virava de lado e iniciava o processo de ronco, um arpejo de porquinho bem crescido.
A hora de almoço era um tédio para ele porque os demais conversavam sobre a literatura de países de língua portuguesa:
“Nossa! Estou lendo “Terra Sonâmbula”,” dizia um.
“Sabe, o “desassossego” é o máximo”, dizia outro.
“Vocês não vão acreditar, li “O santo e a porca” e comecei a ler “A Sereia de Tupã”,” concluía Outro.
Ele já não estava suportando mais a conversa dos colegas sobre o que ele mais detestava, afinal tinha em sua casa uma esposa que vivia mergulhadaem livros. Aquele era seu dia de batismo. O Garçom que os atendeu começou a comentar sobre a seleção da Tailândia que estava organizando um amistoso contra o Oeste.
“O quê? A seleção da Tailândia?”, perguntou curioso.
“Sim, Tailândia a minha terra, estamos todos ansiosos”.
Achou esquisito que o garçom fosse de outro país, entretanto mais tarde foi alertado de que o garçom se referia a cidade de Tailândia, que fica no estado do Pará.
O grupo tinha por hábito não conversar nada sobre trabalho em horário de almoço, esqueciam tudo o que pudesse fazer referência às atividades. A literatura era assunto preferido.
Ao regressar ao lar o primeiro lugar da casa que ele desejou visitar foi a biblioteca. Olhou. Viu um monte de livros. “Temos tudo isso de livros, não li nenhum”, disse à sua esposa. Ela estranhou o interesse repentino de seu marido, que nunca leu romance, além dos que foi obrigado a ler no Colégio. “Tenho sugestão.” Disse ela apresentando três livros de um escritor do Pará, engajado no uso racional dos recursos naturais.
“Não acredito, até você!”, olhou os livros, mas não teve coragem de iniciar a leitura.
No segundo dia a conversa no almoço foi sobre o encontro de pajés realizado na capital do país. “Congresso de pajés?”, disse para ninguém escutar.
Vivia angustiado, como um pássaro sem pelagem em dia de frio. Começou a evitar almoço alegando estar a fazer dieta. Não foi por muito tempo. Começou a fazer a sua aritmética: Passou seu maior tempo se preparando sobre alta tecnologia e gestão, porém nunca imaginou a importância da literatura. A empresa atual valorizava e incentivava a inserção cultural de seus funcionários, havia programas de interação multidisciplinares.
Depois de muito pensar, o Tigre reconheceu que tinha déficit cultural e não podendo acompanhar o grupo, demitiu-se semanas depois. A chuva não demorou a deitar-se na terra e todos celebraram.
Davambe.
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