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Entre mágoas e tesouros

Por Fernanda Lopes

Pergunto-me: por que é que a gente tem essa mania de dar tanto espaço às lembranças ou às coisas ruins? A verdade é que os dias bons não se anulam porque algo deu errado depois. O carinho, as risadas, as histórias – todas essas coisas aconteceram, e nada apaga isso. A gente tem essa escolha: carregar mágoas ou guardar momentos bons como quem coleciona tesouros. Eu cansei de carregar mágoas ou momentos ruins. Engraçado isso, né? A gente passa tanto tempo remoendo o que deu errado. Por que deixar o que machuca tomar mais espaço do que o que aquece?

Numa noite quente, sentei-me na varanda, perdida em pensamentos, e então me dei conta do quanto isso se repete. Dessa estranha mania que temos de dar palco demais para as coisas ruins. Guardamos rancores como se fossem relíquias, repetimos na cabeça diálogos que já deviam estar esquecidos, ensaiamos respostas para discussões que nem existem mais. E para quê? Para reafirmar que estávamos certos? Para alimentar uma dor que já podia ter ido embora?  

Enquanto isso, as coisas boas — aquelas que realmente fazem a vida valer a pena — acabam escondidas no fundo de uma gaveta qualquer. As pequenas gentilezas, os gestos espontâneos, as conversas que aqueceram o coração, os abraços dados na hora certa, tudo isso às vezes some no meio da bagunça das memórias.  

E a vida não devia ser o contrário? A gente devia fazer questão de lembrar dos dias de sol, dos momentos em que fomos amados, das vezes em que fomos felizes. Não com ingenuidade, como quem ignora que existem dias difíceis, mas com sabedoria, como quem escolhe dar mais valor ao que constrói do que ao que destrói. Não é sobre ignorar o que doeu, mas sobre não deixar que as dores tomem conta do espaço das coisas boas. Não é questão de fingir que nada de ruim aconteceu. É questão de decidir o que merece mais espaço na nossa cabeça. Porque no fim das contas, quando alguém passa pela nossa vida, a gente deveria querer lembrar mais dos doces momentos do que das tempestades.

Tem gente que diz que a vida é feita de altos e baixos, e eu concordo. Mas não precisamos carregar os baixos como se fossem medalhas. Não precisamos deixar que os tropeços definam a jornada inteira. No final das contas, o que importa é saber no que vale a pena se apegar.  

E sabe o que é mais louco? O que escolhemos lembrar molda o que sentimos. Se nos cercamos só do que foi ruim, o mundo parece pior, as pessoas parecem mais frias, e a vida, mais dura. Mas se nos cercamos das boas lembranças, a gente se dá conta de quanta coisa bonita já vivemos.

Então, talvez devêssemos ter um lembrete diário: um post-it na geladeira, uma frase rabiscada no espelho, um guardanapo esquecido dentro de uma caixa. Algo que nos lembre que as coisas ruins passam, mas as boas podem permanecer, se a gente deixar.  

E eu quero deixar.

Fernanda Lopes, Jornal Choraminhices.

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