Por Fernanda Lopes
É curioso como a mesma situação pode parecer tão diferente dependendo do lugar e do olhar. Dias atrás, escrevi uma crônica celebrando como a escola parecia ter reencontrado sua essência após a proibição dos celulares: as crianças voltaram a brincar, a conversar, a ocupar os espaços com mais leveza e espontaneidade. Mas bastou mudar de escola, de contexto, para enxergar tudo sob outra luz — uma realidade que, embora tão próxima, soa quase oposta. É sobre esse contraste que quero falar agora, com outra camada de reflexão.
Sou professora de português. Daquelas que ainda acreditam no poder de uma palavra bem dita, de uma leitura lida em voz alta que arrepia, de uma pergunta lançada no ar que, de repente, acende um olhar meio apagado lá no fundo da sala. Mas ultimamente, tenho me sentido como quem declama poesia no deserto. É um eco sem resposta. Uma conversa de uma só voz. O silêncio responde mais alto do que qualquer explicação que eu possa oferecer.
Dou aula todos os dias para turmas que não querem escutar.
E não estou dizendo isso com raiva. Digo com cansaço. Com uma exaustão que se espalha pelo corpo e pela voz. Porque ensinar hoje é como gritar dentro de um túnel, esperando que alguém, lá no fim, devolva um “entendi, professora”. Mas o eco não vem. O que vem, em vez disso, são olhares perdidos, sussurros disfarçados, risadinhas abafadas, e os corpos inquietos, sempre se movendo, como se o simples ato de se manter em um lugar só fosse um sacrifício.
Desde que proibiram o uso de celular na escola, os alunos parecem ainda mais inquietos. Antes, pelo menos, estavam vidrados na tela. Agora, precisam inventar distrações. E são criativos, viu? Inventam brigas por motivos tão pequenos. Um esbarro vira duelo. Um olhar atravessado vira novela. Fazem campeonatos de borracha voadora. Disputam quem gira mais rápido a cadeira. Se cutucam até virar uma briga, só para quebrar o tédio que não cabe em um corpo adolescente. E eu, ali na frente, tentando explicar os pronomes oblíquos com a mesma paixão com que Camões falava de amor. A sala virou palco, e eu, coadjuvante da bagunça.
Tem hora que me sinto uma rádio tocando numa sala vazia. Falo de crase e me respondem com “prof, posso ir ao banheiro?”. Começo a leitura de um conto e alguém solta um assobio agudo. Outro ri. Outro finge cair da cadeira. E o conto… bem, o conto se perde no meio do barulho. Sinto o olhar dos alunos em mim, mas não consigo mais encontrar o foco deles, perdido entre os risos e o som de cadeiras sendo arrastadas pela sala. A cada tentativa de voltar ao conteúdo, me vejo mais afastada, mais distante da turma.
— Quem aqui já ouviu falar em variação linguística?
Silêncio. Um cutuca o outro. Alguém boceja. Um terceiro me olha como se eu tivesse perguntado em latim. Já tentei começar com uma pergunta provocativa, com meme, com música, com vídeo. Já inventei roda de conversa, aula invertida, dramatização, dinâmica, apelo emocional, discurso sério, debate. Já fiz até paródia com trecho de funk. Tudo para chamar a atenção, para puxar ao menos um deles para fora da bolha digital em que parecem viver mergulhados. Mas nada parece atravessar essa bolha de apatia que os envolve. Nada!
E eu não os culpo. Pelo menos, não totalmente. Eles vêm cansados. Cheios de ausências — de escuta em casa, de tempo, de atenção genuína. Muitos vivem realidades tão duras que falar de pronomes oblíquos soa quase ofensivo. Eu sei. Estão crescendo num mundo que não dá tempo de respirar. Estão distraídos, ansiosos. Tudo precisa ser rápido, leve, divertido, viral. E eu… bem, eu sou uma mulher de 55 minutos tentando competir com vídeos de 15 segundos. E ainda assim, sigo tentando. Juro que entendo. Mas, mesmo entendendo, cansa. Cansa falar com as paredes, cansa preparar aula que vira pano de fundo, cansa ser uma voz entre tantos ruídos. Às vezes, sinto que tudo o que faço é remar contra uma correnteza que insiste em me arrastar para o fundo.
Outro dia, uma aluna me perguntou:
— Professora, por que a senhora ainda tenta tanto?
Demorei para responder. Tentei uma resposta pedagógica, uma fala bonita sobre acreditar no futuro, no potencial dos jovens. Mas só consegui dizer:
— Porque, de vez em quando, alguém escuta.
Foi uma resposta meio torta, mas sincera. Porque é verdade. Às vezes, no meio da dispersão generalizada, um aluno ergue a cabeça. Um outro escreve um poema inteiro no caderno. Uma pergunta brota. Um silêncio diferente se instala — o da atenção. É raro. Mas acontece. E talvez seja por isso que eu insista. Porque apesar do cansaço, do descaso, da indiferença, ainda me comovo com o milagre da escuta. Ainda acredito que ensinar é plantar palavras no deserto e confiar que, um dia, alguma delas vai florescer. Nem sempre na hora, nem sempre diante dos meus olhos. Mas floresce. E porque sei que, no fundo, eles também estão esperando por algo que valha a pena ouvir.
Só não sabem disso ainda.
Fernanda Lopes, Jornal Choraminhices.
Seu texto revela um agonia desgastante que todo Docente de Línguas em especial de Língua Portuguesa, tem nesse ponto como Regulação de Saúde Mental, nesse momento concordo com Fernanda Lopes, como um fruto muito tardio.
O aluno Ruim desfruta também privilégios, cara Fernanda Lopes, a Gestão defende esse aluno e pede que suba a Nota como um Decoro Parlamentar, em dias de Conselho nós pedimos Intervenção em algumas Salas de Aulas, me lembro bem 2023, pedi Intervenção do 1 B nos 1 Bimestre e o segundo,e a Gestão demorou há agir nessa situação desastrosa e frustrante, posso lembrar com muitos detalhes.
O exclusivismo existente entre a Gestão e os alunos Ruins se repete como um Ciclo, mas o Corpo Docente pede por Justiça, mas o Poder pede injustiça é Normal, pois vemos com certa frequência com os Políticos, o que estragou pedagógicamente foi a Progressão Continuada.