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Entrevista com uma Gari

Por Renato Muniz B. Carvalho.

gariDona Maria é uma gari, como ela mesma se define. Diz que é assim que está seu registro na Carteira de Trabalho: gari, de Carteira, carrinho e vassoura! Digo que em algumas cidades são conhecidas como margaridas, ela ri gostoso, diz que deve ser no Rio de Janeiro, aqui no interior é gari mesmo. Gari é substantivo masculino, qual será o feminino de gari? Basta trocar o artigo? Pouco importa, ela executa um trabalho muito importante nos dias de hoje: mantém a cidade limpa. O nome, dizem vem de um incorporador, dono de uma empresa encarregada da limpeza das ruas cariocas, de nome Aleixo Gary.

Pergunto a ela que horas começa a trabalhar e quando para. Diz que começa bem cedinho, por volta de sete horas e que varre sem parar até o meio dia. Cada gari tem seu setor, embora possa ocorrer alguma variação. Ela não sabe me dizer quantas ruas varre por dia ou quantas quadras, só sabe que varre o tempo todo.

Minha curiosidade prende-se ao tipo e à quantidade de lixo recolhido. Ela diz que o papel e plástico são os principais, mas que tem também muito toco de cigarro. Fala espantada da quantidade de toco de cigarro que ela recolhe na frente de certos prédios e pergunta-se como é que pode algumas pessoas fumarem  tanto e, o que é pior, jogarem os tocos na rua?

Ela acha curioso eu me interessar pelo seu serviço e fazer perguntas sobre sua rotina. Nunca ninguém a pouco parou para saber sobre seu trabalho. Conhece muita gente, conversa bastante, mas não sobre o seu serviço. Diz que gosta do que faz, mas tem que ter bom humor nesse tipo de serviço. Seus equipamentos básicos são vassoura, pá, saco de lixo e o carrinho, onde recolhe o lixo.

Varre calçadas e a rua. Reclama de certos tipos de lixo, como terra e areia. Diz que é ruim e difícil reconhecer, pesa no carrinho e na pá. Pergunta-se por que as pessoas jogam terra nas ruas. Sobre outro tipo de lixo diz que até não se importa. Nos dias em que venta muito, cai muita folha e aumenta o volume recolhido. Digo que a folha não é lixo e ela fica sem entender, para ela é, e sua obrigação é manter as ruas e calçadas limpas, inclusive de folhas.

Fico imaginando: se não existisse esse serviço nas cidades brasileiras, como ficariam as ruas? Questiono-me sobre quem é a pessoa que joga lixo na rua? Por que essa atitude? Será que é por causa da ausência de lixeiras? Acho que isso não justifica o a to de atirar papel , uma embalagem, toco de cigarro ou uma casca de fruta na via pública. O que se passa na cabeça do indivíduo que joga lixo nas ruas? Acha-se dono da cidade e sai por aí sujando tudo? Nem percebe o que faz? Acha que dona Maria, a gari, é paga para limpar sua sujeira e tudo bem?

Ratos, baratas, escorpiões, gatos, cachorros, formigas, pombos e outros animais cujo ambiente são as ruas de uma cidade, agradecem a sujeira disponível nas ruas. Vivem dela e proliferam a partir de sua quantidade e qualidade. Não gostam de dona Maria, que lhes tiram o “ sustento”.

Sorte nossa! E de nossa saúde, pois esses animais transmitem doenças.

Tem gente que varre sua calçada e joga tudo na rua, ou então empurra a sujeira mais para baixo, para a próxima residência, isso sem contar aqueles, e aquelas, que insistem em lavar a calçada. Que desperdício! Alguns estudos de psicologia dizem que o importante não é a  limpeza em si, mas o ato de usar a mangueira, ver a água escorrer, seu barulhinho, a sensação do líquido nas mãos e nos pés é que acalma as pessoas.Pena é perceber que isso envolve um gasto em água tratada, que pode faltar para outras pessoas. Imaginem dona Maria, se ao invés de varrer, fosse lavar as ruas da cidade? Haja água!

Lá vai dona Maria. Por hoje é só. Não perguntei sobre seu salário ou sobre sua família, fica para uma outra vez. Só acho que ela, e os responsáveis pela repartição onde ela trabalha, deveriam se preocupar mais com sua proteção, principalmente contra o sol.

Este texto foi extraído do livro: Crônicas Impertinentes, de Renato Muniz B. Carvalho.

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