Por Fernanda Lopes
Outro dia, voltando do trabalho, parei no sinal vermelho e vi um passarinho bicando uma casquinha de pão no chão da calçada. Ninguém prestava atenção nele, só eu — ou melhor, eu e um cachorro que passou e espantou o coitado. E naquele segundo, pensei: a vida do bicho é simples. Ele sente fome, busca comida. Sente medo, voa. Quer cantar, canta. Não tem que parecer nada, só ser.
Nós, seres humanos, não temos esse mesmo privilégio.
Embora sejamos, biologicamente, animais, nossa existência social nos distancia radicalmente da natureza. Desde cedo aprendemos que não basta ser — é preciso parecer. Assim, desenvolvemos uma série de máscaras sociais, uma coreografia diária que ensaiamos com esmero: sorrimos quando estamos exaustos, dizemos estar bem mesmo quando mal conseguimos respirar entre as pressões do cotidiano. Vestimos nossas roupas de trabalho, usamos tons de voz calculados, adotamos posturas específicas em reuniões — e muitas vezes nos afastamos tanto de nossa natureza que esquecemos quem somos quando estamos sozinhos.
Essa necessidade de encenação não é exatamente uma escolha. É uma exigência silenciosa da vida em sociedade. Como dizia Hans Vaihinger, cuja filosofia do “como se” inspirou diversos pensadores, incluindo Perls, vivemos em grande parte como se certos valores fossem verdades absolutas. Fingimos controle, equilíbrio, felicidade. Fingimos até compreender aquilo que, no fundo, nos escapa.
Lembro-me de uma colega que, dias atrás, me cumprimentou com uma frieza cortante. E eu, talvez por hábito, talvez por defesa, retribuí com um sorriso, uma frase gentil, e até uma piada para amenizar o clima. Atuei. Fiz meu papel com a destreza de quem já ensaiou essa cena mil vezes. E no fim, ganhei um tapinha nas costas e um “você é tão leve!”. Leve, eu? Se soubessem o peso que carrego… Mas tudo o que veem é a superfície — e nela, aprendi a disfarçar bem.
Essa é a contradição: biologicamente, somos seres sensíveis, instintivos, emocionais. Mas socialmente, somos levados a esconder, disfarçar, representar. E essa distância entre o que sentimos e o que mostramos pode se tornar um abismo — um espaço onde a saúde emocional se esvai, onde o corpo, cansado de fingir, começa a manifestar sua verdade através da dor, do cansaço, da ansiedade. O corpo não mente. Ele grita em dor de cabeça, em cansaço que não passa, em tristeza que aperta o peito.
É o corpo que, muitas vezes, nos lembra que somos também bicho. E bicho precisa descansar, precisa se proteger, precisa existir com verdade. Talvez seja por isso que, ao observar aquele pássaro em sua simplicidade, senti um certo alívio. Ele não finge. Ele apenas vive.
Penso que seria sábio resgatarmos, aos poucos, esse contato com a nossa natureza animal. Reduzir o fingimento, permitir-nos o erro, o cansaço, a tristeza. Reconhecer que não há fraqueza em assumir nossas fragilidades. Ao contrário: há humanidade. E ser humano, afinal, é justamente caminhar nesse fio tênue entre o instinto que pulsa e a máscara que pesa. Porque no fundo, por trás do cargo, da maquiagem, do sobrenome e da performance… somos só isso: bicho tentando dar conta da vida.
Fernanda Lopes, Jornal Choraminhices.
Fernanda muito lindo seus textos, em sua maioria é uma reflexão da profissão Docente as pessoas e alunos não sabem o peso tantas leituras e realidades que vivemos que andamos cansados em vista a Ansiedade Generalizada, poucos sabem, quando eles são os primeiros a reconhecer, mas o mesmo Sistema fazem ser punidos como uma traição dada por Saul á Davi por uma falsa amizade.
E a Gestão fazem ele ser punidos com um dose de absinto Vermelho retirado da Pimenta Malazarte ou Malagueta, e uma boa dose de Ironia com esses alunos, e parodíamos a linha dada por M. de Assis na Paródia da Vidraça e o Espelho.