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Os brancos são mais limpos?

Por Jahmaycon

A conversa começou casual, naquela pergunta fática de “vai viajar nas férias?”. Não tardou o assunto foi litoral, praia e serviços e preços nas praias do litoral norte de São Paulo. Nesse momento, um terceiro indivíduo entrou de supetão na conversa sem pedir licença, apenas para criticar o povo que oferecia o serviço: os quilombolas; e depois elogiar o povo  verdadeiramente digno na visão dele: os sulistas brancos de Santa Catarina.

Eu tinha terminado de ler “O avesso da pele” de Jeferson Tenório no dia anterior. No mesmo dia, minutos antes, tinha lido “Nero”, conto de Bethânia Pires Amaro. Dois textos que estilhaçam pesado as vidraças do racismo, escancarando a face mais sórdida dos racistas e a chaga maior da sociedade brasileira. Ler textos como esses nos faz questionar o nosso papel como cidadão e nossos privilégios por simplesmente não sermos pretos. Mas além disso, nos fazem prestar mais atenção ao nosso redor e ajuda a perceber coisas que sempre estiveram ali, que sempre existiram antes mesmo de nós existirmos, mas nunca tínhamos prestado atenção.

Assim que o ataque aos quilombolas começou me silenciei. A indignação do comentário me deixou sem palavras e sem reação em um primeiro momento. Assim que a fala desse indivíduo iniciou, o diálogo se transformou em monólogo e todos os presentes na sala, inclusive quem não estava na conversa, passaram a prestar atenção ao que ele dizia.

Também, quando alguém inicia falando “tomei ódio dos quilombolas”, é de se esperar que todos fiquem estarrecidos, pois percebe-se que o foco não seria falar dos serviços e sim das pessoas. Seja qual fosse a crítica, seja qual fosse a situação encontrada por ele (se é que foi real, pois desde o início, antes mesmo de citar os quilombolas suspeitei de ser história inventada), a verdadeira intenção era mostrar o quanto ele é racista. Assim, de graça, em um contexto onde nem sequer havia menção a qualquer aspecto racial.

Atônito, fui ouvindo cada absurdo que ele proferia. Sempre enfatizando e  repetindo a cada nova sentença que não gostava de quilombola. Que até se poderia se esforçar para não odiá-los, mas eles não facilitam a barra. A cada sentença, sua intenção era uma só, a sentença máxima de que preto não presta.

Eu estava deveras incomodado pelo que estava ouvindo, porém mais por não conseguir reagir, não achar o que falar. Só fui encontrar um comentário quando ele falou de outra viagem, desta vez à Santa Catarina, à uma praia bem frequentada por pessoas ricas e estrangeiras (entende-se brancas). Lá, sim, era o paraíso, limpo, barato e um lugar de gente direita. Onde você entra em um restaurante self-service, come, sai, vai à praia, volta, come mais e só paga no final um preço praticamente simbólico.

Já enojado e com um embrulho no estômago, eu só queria sair dali. Então terminei minha refeição e me levantei, torcendo para que o alimento não voltasse em cima daquele sujeito. Quando estava levantando respondi uma pergunta que ele fizera. Foi uma pergunta retórica para a qual ele não queria uma resposta, mas eu tive de responder. Por que em Santa Catarina é diferente? Eu respondi ironicamente: “porque são brancos, os brancos são mais limpos”. Óbvio que ele sabia disso, mas alguém precisa deixar claro, caso algum interlocutor não tivesse com o olhar apurado para esse fato.

Neste momento em que escrevo essa crônica, lamento que foi muito pouco o que pude fazer naquele momento contra um racista nojento. Me dói ainda mais saber que enquanto eu me afastava, já do lado de fora da sala, pude ouvir que o monólogo dele continuou como se eu não tivesse falado nada. O silêncio dos outros também seguiu até eu me afastar ao ponto de não poder ouvir mais nada.

Fico me questionando se pelo menos fiz alguém refletir sobre o assunto, sobre o quanto o racismo estrutural está sólido em nossa sociedade e que se continuarmos ouvindo essas falas calados, ele vai petrificar em nossa sociedade.

É fato que foi pouco, mas fiz. Espero poder ser mais incisivo da próxima vez. Não se pode deixar os racistas falando absurdos sem ninguém para pelo menos rebater.

2 Responses to Os brancos são mais limpos?

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