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Por Fernanda Lopes
Ricardo era o tipo de pessoa que acreditava na máxima: “A vida é curta, aproveite intensamente”. Tinha um feed de redes sociais que mais parecia um catálogo de sonhos: praias paradisíacas, jantares sofisticados, bares mais badalados, festivais de música em lugares exóticos. Era impossível não invejá-lo, ao menos à primeira vista. Mas, se alguém parasse para reparar mais de perto, perceberia uma inquietação quase cômica. Ricardo não descansava, literalmente.
Acordava já planejando a próxima aventura, o próximo prazer. Uma promoção imperdível de passagens aéreas ou a estreia de um restaurante caro eram tratados com a seriedade de uma operação militar. Ele corria atrás de prazeres com a intensidade de um atleta olímpico – mas, ao contrário de um atleta, nunca parecia ganhar medalhas. A grande verdade era que ele acordava cansado de buscar por tantas novas experiências e ia dormir ansioso pelo próximo evento.
Foi numa dessas corridas incessantes que Ricardo encontrou Dona Dalva, a vizinha do andar de cima, no elevador. Ele, exausto e com as pernas doendo após voltar de um festival de música eletrônica, carregava uma mochila e olheiras. Ela, com sua sacola de feira e um sorriso preguiçoso, parecia iluminada por uma paz que ele não conseguia entender.
– De novo viajando, Ricardo? – perguntou ela, ajeitando a alface na sacola.
– Claro, Dona Dalva. – respondeu ele, automático, enquanto forçava um sorriso. – Tem que aproveitar a vida, né? Ela é curta.
– Tem mesmo. Mas se correr demais, vai acabar sem perceber onde está.
Ele riu, achando graça naquela sabedoria improvisada e na simplicidade de Dalva. No entanto, a frase ficou martelando em sua cabeça.
Naquela noite, enquanto tomava um vinho caríssimo para "relaxar", o gosto pareceu amargo. Ele olhou ao redor: quadros de paisagens que ele mal lembrava de ter visitado, roupas de grife que só usava para fotos, uma TV gigante que nunca assistia. Tudo ali parecia parte de um museu, com ele como único visitante. E, estranhamente, se sentiu pequeno, como se fosse o curador de uma exposição que ninguém visitava.
Dias depois, um temporal obrigou Ricardo a cancelar uma escapada de última hora. Sem ter o que fazer, decidiu aceitar um convite que, normalmente, jamais consideraria: tomar um café com Dona Dalva. Sentado na mesa simples da cozinha dela, entre biscoitos amanteigados e conversas sobre a vida, Ricardo viu algo que nunca havia reparado. Dalva tinha poucas coisas, mas carregava uma leveza que ele, com toda sua extravagância, não tinha conseguido alcançar.
– A senhora nunca quis viajar pelo mundo, conhecer lugares incríveis? – perguntou ele, curioso.
– Querer? Claro que quis. Mas aprendi cedo que a felicidade não está em fazer tudo, mas em saber o que te faz bem. Às vezes, o que a gente precisa está aqui mesmo, entre um café e outro. Ah, meu filho, o segredo da vida é saber quando parar de correr. Felicidade mesmo é quando a gente para de se cansar tanto.
Ricardo foi para casa pensativo. Começou a observar sua vida com os olhos de Dona Dalva. Percebeu que sua busca incessante por prazer era como carregar um balde furado: por mais que enchesse, jamais ficava satisfeito. Lembrou-se de algo que uma vez leu, sem dar muita importância: "Permanece-se no lucro quando se sacrifica prazeres para evitar dores." Talvez fosse isso que Dalva tinha entendido. Talvez fosse isso que ele estava tentando aprender. A vida não precisava ser uma maratona de momentos extraordinários, mas um caminho sereno, onde até um café quente ou uma tarde chuvosa tinham valor.
Entretanto, por mais que tentasse se convencer de que a busca incessante por prazeres não era o caminho, a verdade é que ele não sabia mais como viver de outra maneira. A simples ideia de abrir mão das viagens, dos jantares caros e dos festivais parecia um sacrifício insuportável. A ideia de se contentar com um café tranquilo ou uma tarde sem grandes eventos não passava de uma utopia. Ele não sabia o que fazer com os momentos de calmaria, onde sua mente vagava sem um objetivo concreto.
O que Ricardo não compreendia, talvez, era o quão profundamente ele estava imerso na mentira da "vida intensa". Ele acreditava que quanto mais cheio de momentos grandiosos fosse seu cotidiano, mais ele teria o direito de se sentir vivo. Acontece que a vida que ele estava levando era, na verdade, uma paródia de si mesma. Buscava a felicidade em fragmentos dispersos e descoordenados, enquanto Dalva, com sua simplicidade despretensiosa, parecia ser dona de um segredo que ele não sabia se poderia alcançar.
Ele tentou, por um tempo, adaptar-se à filosofia de Dalva. Tirou umas férias de si mesmo, passou uma tarde sem fazer nada, mas logo se viu inquieto. A imersão em um estado de inatividade o deixava mais exausto do que a corrida atrás de novas experiências. Ao contrário do que Schopenhauer sugeria, o que ele encontrou não foi alívio, mas um vácuo de propósitos, um vazio mais profundo que qualquer festival de música ou prato exótico poderia preencher.
E foi nesse vazio que ele compreendeu, de forma amarga, que o problema não estava na quantidade de experiências, mas na sua total incapacidade de encontrar sentido em qualquer uma delas. Dalva, com suas roupas simples e o sorriso tranquilo, havia feito de sua vida uma arte – uma arte de desistir do que não tem valor. Ricardo, ao contrário, se via aprisionado em um ciclo de exibição e futilidade, mais preocupado em ser admirado do que em realmente viver.
No final, ele se deu conta do óbvio, mas desconfortável: ele estava construindo uma vida de aparências. Sua felicidade era um espetáculo para os outros. Enquanto Dona Dalva, com seu jeito sereno, fazia da vida um refúgio, Ricardo havia transformado o seu em um completo espetáculo. E o espetáculo, inevitavelmente, se apagava no escuro, sem público, sem aplausos. No fim das contas, a vida curta que ele acreditava estar aproveitando se esvaiu mais rápido do que ele seria capaz de perceber.
Como dizia aquele filósofo cujo nome ele não conseguia pronunciar: o tolo se ilude com prazeres intensos e acaba ludibriado; o sábio foge dos males e encontra o verdadeiro alívio.
Fernanda Lopes, Jornal Choraminhices.
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