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Por Fernanda Lopes
Eu sou professora, e, como toda boa educadora, tenho uma missão, ou melhor, uma vocação: transformar o caos da rotina escolar em algo minimamente organizado. Só que, ultimamente, tenho me deparado com algo um tanto peculiar: o culto aos “documentados”. Sabe, aqueles encontros que a gente tem, os tais HTPC, não para resolver problemas, mas para, digamos, “documentar” que algo foi feito. Algo que, por incrível que pareça, nunca resulta em ação prática, mas em relatórios, atas e mais atas. E eu fico aqui, imaginando se o verdadeiro milagre não está em como conseguimos passar horas em reuniões e sair delas com mais perguntas do que respostas.
Hoje mesmo, tive um desses encontros. A pauta? Desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras e fortalecimento da integração entre as disciplinas. Ou seja, nada muito específico, mas muito promissor para o futuro da educação, não é? Fui para a sala em que aconteceria a reunião com a mesma expectativa que tenho quando tento corrigir redações com letra ilegível: nenhuma. O que se seguiu foram discussões filosóficas sobre o sentido da educação moderna. A cada intervenção, o que mais se via era o preenchimento de slides e o reforço da importância de estar “alinhado” com os objetivos da escola, enquanto as soluções práticas ficavam à mercê de um “depois a gente vê”.
Não posso deixar de notar a ironia do ritual: todo mundo falando, falando, falando… mas com o único objetivo de garantir que, ao final, alguém tenha uma ata bonitinha, com um resumo idealizado de tudo que foi dito. E o que realmente vai acontecer? Aí, é outra história. Nenhum “documentado” nunca será suficiente para resolver os problemas que encontramos. Mas, veja bem, a gente adora essas reuniões! Elas são como uma espécie de retiro espiritual do caos diário. Escrevemos, assinamos, falamos, mas, no fundo, sabemos que aquilo tudo vai parar na gaveta de algum coordenador, que também vai escrever outra ata para o encontro seguinte. Como se resolver alguma coisa fosse apenas uma questão de formalizar o processo.
A melhor parte vem depois. As pautas, cheias de promessas e metas a serem cumpridas. Claro, ninguém fala sobre como essas metas serão alcançadas. Nem o que vai acontecer se não forem. Mas, hey, pelo menos os papeis estão preenchidos, e a administração tem o que mostrar para quem perguntar. Eu me pergunto se, no fundo, o verdadeiro objetivo de tudo isso não é justamente esse: gerar documentos, relatórios, atas e mais relatórios. Para quem? Para ninguém, na prática. Mas o importante é que, ao final do dia, estamos todos “oficialmente” comprometidos com o bem-estar dos nossos alunos. Fala-se sobre novos planos, novas metodologias, novas iniciativas, mas ninguém nunca fala sobre o como. O “como” é sempre deixado para o próximo encontro, já agendado na agenda de todos, como se fosse um ritual que nunca termina.
No fim das contas, não sei o que me faz rir mais: o fato de que, no fundo, estamos todos cientes de que nada vai mudar de verdade ou a maneira como nos esforçamos para que as reuniões pareçam produtivas, quando no fundo estamos apenas tentando dar conta de uma agenda infinita. Eu, pelo menos, já estou acostumada com a rotina dos “cultos aos documentados”. Vou continuar lá, de boa, com meu café na mão, esperando o momento em que, finalmente, a solução vai aparecer — ou quem sabe, ser documentada. Contudo, não devemos esquecer que o verdadeiro trabalho na escola não é feito em reuniões. É feito no silêncio da sala de aula, na troca real com os alunos, nas pequenas descobertas que acontecem quando a gente se desvia um pouco dos protocolos e começa a confiar no improviso.
Fernanda Lopes, Jornal Choraminhices.
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