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Por Jahmaycon
Nunca me esquecerei deste acontecimento na vida de minhas memórias tão fatigadas. Ocorreu há muito tempo, mas permanece vivo como se tivesse sido semana passada. Embora tenha sido um ensinamento involuntário, é uma das lições mais valiosas que carrego comigo no que diz respeito a estilo de vida. Mais especificamente curtir a vida.
A cena foi um tanto constrangedora para mim, mas quem olhou de fora achou cômica, afinal era conversa de bêbado. Isso mesmo, o professor era um bêbado, os espectadores também em sua maioria estavam bêbados. Eu era o único completamente sóbrio e por isso foi tão constrangedor para mim. No meio daquelas conversas sem sentido e sem lirismo dos bêbados de fim de ano, um deles resolveu implicar comigo, questionando o motivo de eu não estar bebendo com eles. Foi nesse momento que um deles soltou a pérola: “vou beber todas, gastar tudo que tenho, afinal, amanhã posso estar morto”.
Seria apenas mais uma anedota de bêbado, mas não é. Isso é antigo e me remete a dois lemas de gerações passadas. O primeiro deles, o Carpe Dien. Não é um absurdo ter como lema ideais que pregam que você deve curtir a vida, aproveitar o hoje e não deixar para depois. Até este ponto eu concordo, só temos uma vida e devemos sempre fazer de nossos dias momentos prazerosos. O segundo lema é: viva hoje como se não houvesse amanhã. Este se trata de uma subversão do Carpe dien, bastante difundido na metade do século 20 quando o rock e as drogas eram as grandes emoções dos jovens.
Este ideal de vida é perigoso e ferrou muita gente que acreditou nele. Viver o hoje como se não houvesse amanhã significa abrir mão de toda uma vida de possível felicidade por um prazer momentâneo, via de regra nocivo ao corpo. Quando alguém escolhe viver o hoje como se não houvesse amanhã, abre mão de todo e qualquer senso de cuidado para fazer coisas que não dão prazer, ao contrário, fazem muito mal. Se não bastasse o mal a si, sempre buscam cooptar outras pessoas a incorrerem no mesmo erro, induzindo-os a pensarem que não existe outra forma de ser feliz.
A maior ilusão de muitas pessoas é não saber aproveitar a vida. Não conseguem perceber que ler um livro, ver um filme, ir ao teatro, apreciar uma exposição em um museu, sentar numa cadeira de praia e passar o dia todo olhando as ondas quebrarem, deitar na grama e ouvir o canto dos pássaros podem ser o maior estase para alguns, inclusive os bêbados quando estão sóbrio podem gozar destes prazeres. Não todos, mas apenas os que lhes apetecem, afinal há uma multiplicidade de coisas boas prazerosas tanto quanto a diversidade de personalidades e gostos das pessoas.
Para mim, o maior perigo deste lema está justamente quando há um amanhã. Eu me pergunto, quando alguém dispensa um amor duradouro, amizades verdadeiras e todo seu dinheiro em um único prazer, acaba esquecendo que a vida continua. Então, essa pessoa não morreu naquele dia, mas vai acabar tendo uma vida de dificuldade porque caiu no conto do “viva hoje como se não houvesse amanhã”.
“Ah, mas a gente precisa aproveitar a vida, só temos uma”. Verdade, só temos uma vida e quanto mais longa mais prazerosa. Por isso eu defendo o lema que sempre preguei em minha vida: “aproveite o hoje sabendo que há um amanhã para ser aproveitado também”. Lema que desenvolvi na adolescência e se fortaleceu justamente quando ouvi essa frase de uma pessoa próxima a mim.
Quando alguém se encontra solitário, sem amor e com muitas dívidas, com certeza pensa nos motivos que o levou a tal situação. Se foi porque esbanjou até o que não podia, os momentos que deveriam estar vivos na memória como felizes se tornam pesados e cheios de culpa.
As experiências na vida de um ser humano só terão valor na recordação. Se tornam memórias no momento seguinte. Mas a cada fase da vida essas memórias podem ganhar novos sentidos, ora felizes ora tristes. Portanto, estar bem e confortável para construir memórias novas é o que faz da vida algo valioso. Aquilo que foi vivido e aproveitado será sempre uma boa memória, se foi feito com responsabilidade e se te fez sorrir. Do lado oposto, aquilo que gerou problemas duradouros será sempre lembrado como causa da desgraça presente e será sempre uma memória ruim. Uma memória que o indivíduo deseja esquecer, mas que nunca irá conseguir. Isso quando é apenas uma memória e não uma sequela permanente no corpo, como costuma ser em casos de uso de drogas.
Por outro lado, quando eu penso em estar morto amanhã, não faz nenhuma diferença para mim como foi meu ontem e como está sendo meu hoje. Nada daquilo que vivemos importa se estivermos mortos. Não haverá memórias de nenhum tipo. Não fará diferença se foi uma pessoa feliz ou triste. Se viveu muitas aventuras ou se passou a vida no sofá da sala vendo televisão.
As experiências só fazem sentido quando estamos vivos para recordá-las. E melhor ainda do que estar vivo é estar numa situação confortável, seja para buscar algo novo ou aproveitar aquilo que possui e ama.
Jahmaycon – Jornal Choraminhices