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O manual do cidadão irritável

Por Fernanda Lopes

Já reparou como tem gente que acha que a vida foi feita para ser uma série de aborrecimentos? Sabe aquele tipo de pessoa que parece carregar um botão de “reclamar” permanentemente ligado? Se você não viu ainda, sinto informar, mas provavelmente conhecerá um. É o colega que transforma qualquer situação banal em uma catástrofe digna de novela mexicana. Eu sou uma pessoa otimista, sempre tento ver o lado bom das coisas, mas confesso: observar essa turma é incrivelmente irritante.

Vamos começar pelo básico: o cidadão irritável não precisa de motivo. Não é necessário algo realmente negativo para ele se irritar. Ele encontra defeito até no silêncio. A fila do banco? Um martírio. O clima? Uma afronta pessoal. O vizinho estacionou meio torto? Crime de guerra. É como se ele tivesse uma lupa para problemas — problemas que o resto do mundo nem percebe. Sabe aquele papo de “você atrai o que transmite”? Pois bem, acho que eles estão sintonizados no canal exclusivo de desgraças.

No supermercado, então, é um show à parte. Imagine a cena: o cidadão na fila, olhando impaciente para o caixa. Três pessoas à frente, nenhuma demora tão absurda. Ainda assim, lá vem o suspiro dramático seguido de um monólogo baixo, mas audível o suficiente para que todos escutem: “Isso aqui está um caos! Parecem tartarugas atendendo…” A fila anda, mas ele não desiste. Reclama da falta de sacolas, do preço da margarina, do bebezinho chorando no fundo. É quase uma performance. Ele sempre vai achar que a vida lhe deve algo.

E o tempo, hein? Parece que o clima é o arqui-inimigo dessa galera. Se faz calor: “Isso aqui virou um forno! Culpa do aquecimento global!” Se esfria um pouco: “Cadê o verão? Esse clima tá uma loucura!” Uma garoa de nada é suficiente para a declaração do apocalipse: “Só pode ser castigo! Olha como choveu bem no meu horário de sair!” Dá vontade de perguntar: querido, você acha mesmo que o universo está programado para te irritar? Para ele, é tudo um grande plano contra sua paz interior.

Outro grande clássico do cidadão irritável é a política. Não importa qual governo, qual situação econômica, qual partido. Para o cidadão irritável, qualquer governo, de qualquer lugar do planeta, está sempre errado. “Certeza que se fosse eu no poder, isso não acontecia!” diz ele, com convicção de quem tem um diploma imaginário em “solução de problemas complexos”. E olha que ele nem sabe o que está rolando, ele nem entende nada do assunto. Pergunta qual seria a solução? Não tem. Mas que está errado, está. E ele tem certeza. Porque a vida é assim: um eterno campeonato onde ele é o único juiz e todo o resto está perdendo.

O mais curioso é como eles realmente acreditam que o mundo conspira contra eles. Como se todas as pequenas frustrações diárias tivessem sido planejadas especialmente para tirar sua paz. Se o ônibus atrasa, é perseguição. Se o cafezinho no trabalho acabou, é sabotagem. E se o vizinho deu uma festa, bem, aí é guerra declarada. No “Manual do Cidadão Irritável” a regra principal deve ser: “Jamais admita que algo pode não ser pessoal. Reclame sem parar!”

Eu fico pensando, como é viver nesse looping de insatisfação. Será que não cansa? Será que viver assim é realmente viver? Ficar preso em uma teia de pequenas frustrações, onde cada atraso, cada fila, cada comentário do governo é um novo sinal de que o mundo está contra você? Não seria mais fácil apenas respirar fundo e perceber que a vida, com todas as suas falhas, é só isso: tropeçar, rir de si mesmo e continuar andando? E se em vez de brigar com tudo ao redor, a gente tentasse curtir o caminho, na paz?

Mas não. Para o cidadão irritável, há sempre algo errado e sempre alguém para culpar. Viver é um jogo onde ele está sempre na defensiva, pronto para reclamar do próximo lance. Eu só posso torcer para que, um dia, ele descubra que a vida é um caos mesmo, e tudo bem. Enquanto isso, sigo no meu canto, observando e pensando: já imaginou a paz mundial que seria se todas essas pessoas largassem esse manual, e passassem a entender que o mundo, em sua bagunça, é o melhor que temos?

Fernanda Lopes, Jornal Choraminhices.

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